– Eu tô doida pra comprar uma camisa de Che Guevara. Essa sua é massa, velho. ¿Comprou ela-onde?
– Na Calçada.
– Che é massa.
– ¿Ele foi o quê mesmo?
– Ah, não sei direito também não. Acho q foi um revolucionário, sei lá. Mas eu gosto dele.
– É. Eu acho q vou botar uma tatuagem dele no peito.
– Bote mesmo.
– Se eu não colocar a dele, vou pôr uma de Jesus Cristo.
– Ah, Jesus! Pára!
– ¿É né?... Sei lá...
– Bota a de Che mesmo, rapaz. Essa foto mesma aí da sua camisa vai ficar de se lenhar! Ele olhando pra cima assim... Vá por mim.
– É... taí! Você até me deu uma idéia, agora.
– ¿Q idéia?
– Vou botar a cara de Che, olhando pra cima, aqui na barriga e a de Jesus no peito.
– Vai botar Che olhando pra Jesus... ¿é isso?
– É. E Jesus olhando pra ele.
– Ai, q gay!
– ¿Você acha?
– Brega e gay.
– ¿Por q, gay?
– Mas tá! Vai botar os dois se olhando, no seu peito...
– ¿E Che era boiola, por acaso?
– Sei lá. Mas vai q era! Vão dizer q você faltou com o respeito a Jesus. Heresia, bróder. É melhor nem arriscar.
– ¿E o q é q eu faço?
– Ah, bota só Che, no peito.
– Não, já sei! Vou pôr Jesus no peito e Che nas costas.
– Vai botar Che Guevara nas suas costas!
– Vou ¿por quê?
– Por nada, mas saiba q quando a galera ver a foto de um viado atrás de você, vão achar q você também é... Se ainda fosse na frente, dava até pra explicar.
– É, então é melhor deixar pra lá. Vou colocar só a de Jesus mesmo, q ninguém pode dizer nada.
– Ah, q é isso. Aí também é besteira, velho.
– Besteira! Besteira pra você. Ainda mais agora q eu soube q Che Guevara é biba, ou era... Não quero nem conta mais.
– Ah, pára!... Não é pra tanto.
– Tá, mas eu não quero mais saber de Che e acabou. – Dando de ombros, fala com um certo sarcasmo: – Che... Che “quer-vara”.
– Che “quer-vara”. Raiai, viu. Como você é besta – ela diz, rindo do amigo.
– Tá. Sou besta, mas não bicha. / E por falar nisso, pode ficar com minha camisa. – tira e entrega à amiga – Faça bom proveito...
– Tudo bem. Acho q lá em casa tava precisando de um pano de chão novo, mesmo. Valeu então – comenta, debochando.
– ¿Cê vai pro show de Pitty, hoje, no Aero? – ele pergunta.
– Lógico! Não perco por nada nesse mundo.
– Então beleza. A gente se vê lá. Leve umas amigas q eu vou com uns colegas meus da facu.
– Beleza. Até a noite então, brôu.
– Até a noite, gatinha... – despedindo-se, de súbito ocorre-lhe uma dúvida, incerteza. Preocupado, volta e indaga a amiga: – Peraí, peraí! Vem cá... me diga aqui uma coisa: ¿E Jesus?...
– ¿O q é q tem Jesus?
– Ué, cê tá ligada q esses artistas são meio assim... ¿sabe como é, né?...
Ela pára, pensa. Tenta entender a insinuação... Força o pensamento. A fumaça sobe. Enfim, se toca e após alarma:
– Nãããooo! Jesus não... ¿Tá louco?! – responde, repreendendo o amigo, enquanto masca um big big de maçã, já dessaborido, e ajeita o enorme piercing q atravessa o seu supercílio esquerdo. Finalmente, conclui: – Ali você pode confiar, bróder. Vá por mim... Vá por mim.
E se vão.