Raiai!

Um blog de baianidades soteropolitanas

02 março 2007

Jorge

Antes que o lembrassem que seu nome era Jorge já queria ser chamado assim: Jorge.

Já teve sonhos terríveis com pessoas lhe tratando por Francisco, Antônio e até Joaquim. Mas, enfim, Jorge.

"Era o que eu queria. Eu já te dizia. Só Jorge, mais nada".

No quarto do Juliano Moreira¹ agora dorme tranqüilo Jorge, filho de outro Jorge da cara chupada.

Sereno, quieto, dorme agora, mas porém sedado; a porta está trancada. No sonho uma voz distante lá de longe o chama, acho que o provoca: > Junior <. O sono finda antes da hora e ele chora agora a noite que não acaba. .
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¹Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira

25 março 2006

Todo Metralhado

– Eu tô doida pra comprar uma camisa de Che Guevara. Essa sua é massa, velho. ¿Comprou ela-onde?
– Na Calçada.
– Che é massa.
– ¿Ele foi o quê mesmo?
– Ah, não sei direito também não. Acho q foi um revolucionário, sei lá. Mas eu gosto dele.
– É. Eu acho q vou botar uma tatuagem dele no peito.
– Bote mesmo.
– Se eu não colocar a dele, vou pôr uma de Jesus Cristo.
– Ah, Jesus! Pára!
– ¿É né?... Sei lá...
– Bota a de Che mesmo, rapaz. Essa foto mesma aí da sua camisa vai ficar de se lenhar! Ele olhando pra cima assim... Vá por mim.
– É... taí! Você até me deu uma idéia, agora.
– ¿Q idéia?
– Vou botar a cara de Che, olhando pra cima, aqui na barriga e a de Jesus no peito.
– Vai botar Che olhando pra Jesus... ¿é isso?
– É. E Jesus olhando pra ele.
– Ai, q gay!
– ¿Você acha?
– Brega e gay.
– ¿Por q, gay?
– Mas tá! Vai botar os dois se olhando, no seu peito...
– ¿E Che era boiola, por acaso?
– Sei lá. Mas vai q era! Vão dizer q você faltou com o respeito a Jesus. Heresia, bróder. É melhor nem arriscar.
– ¿E o q é q eu faço?
– Ah, bota só Che, no peito.
– Não, já sei! Vou pôr Jesus no peito e Che nas costas.
– Vai botar Che Guevara nas suas costas!
– Vou ¿por quê?
– Por nada, mas saiba q quando a galera ver a foto de um viado atrás de você, vão achar q você também é... Se ainda fosse na frente, dava até pra explicar.
– É, então é melhor deixar pra lá. Vou colocar só a de Jesus mesmo, q ninguém pode dizer nada.
– Ah, q é isso. Aí também é besteira, velho.
– Besteira! Besteira pra você. Ainda mais agora q eu soube q Che Guevara é biba, ou era... Não quero nem conta mais.
– Ah, pára!... Não é pra tanto.
– Tá, mas eu não quero mais saber de Che e acabou. – Dando de ombros, fala com um certo sarcasmo: – Che... Che “quer-vara”.
– Che “quer-vara”. Raiai, viu. Como você é besta – ela diz, rindo do amigo.
– Tá. Sou besta, mas não bicha. / E por falar nisso, pode ficar com minha camisa. – tira e entrega à amiga – Faça bom proveito...
– Tudo bem. Acho q lá em casa tava precisando de um pano de chão novo, mesmo. Valeu então – comenta, debochando.
– ¿Cê vai pro show de Pitty, hoje, no Aero? – ele pergunta.
– Lógico! Não perco por nada nesse mundo.
– Então beleza. A gente se vê lá. Leve umas amigas q eu vou com uns colegas meus da facu.
– Beleza. Até a noite então, brôu.
– Até a noite, gatinha... – despedindo-se, de súbito ocorre-lhe uma dúvida, incerteza. Preocupado, volta e indaga a amiga: – Peraí, peraí! Vem cá... me diga aqui uma coisa: ¿E Jesus?...
– ¿O q é q tem Jesus?
– Ué, cê tá ligada q esses artistas são meio assim... ¿sabe como é, né?...
Ela pára, pensa. Tenta entender a insinuação... Força o pensamento. A fumaça sobe. Enfim, se toca e após alarma:
– Nãããooo! Jesus não... ¿Tá louco?! – responde, repreendendo o amigo, enquanto masca um big big de maçã, já dessaborido, e ajeita o enorme piercing q atravessa o seu supercílio esquerdo. Finalmente, conclui: – Ali você pode confiar, bróder. Vá por mim... Vá por mim.
E se vão.

Sociedade

“Um homem deu entrada na emergência do Hospital Geral do Estado com treze perfurações de bala nas regiões do tórax, cabeça e membros inferiores, tendo ainda uma faca de uso caseiro encravada nas suas costas.

O jovem, de cor parda, aparentando ter entre 20 e 24 anos de idade, ainda não foi identificado e encontra-se em estado grave na unidade de terapia intensiva desta casa de saúde.

Ele foi encontrado na estrada do Derba por populares q residem na área, localizada próxima aos bairros de Águas Claras e Periperi, em Salvador.

A Polícia trabalha com a hipótese de o rapaz ter tentado cometer o suicídio.

Rádio Repórter A4, direto da Emergência do HGE para a redação”.

Rádio Sociedade da Bahia, 24 horas no ar. Aqui você fica sabendo de tudo! / Nós estamos sempre no ar para melhor informar! So-ciedade! [tanran!].


* de Raiai! 4

16 março 2006

Use sua imaginação

– ¿Como foi, menina?... Conta logo! Conta, vai!
– Calma, Amanda! Oxente! Tá doida ¿é? Peraí q eu já vou contar tudo, direitinho. Xô colocar só a água do arroz no fogo e volto. Pera mais um pouquinho.
(...)
– Ai, vai, conta logo, menina! ¿E aí, rolou ou não rolou?
– ¿O q é q você acha?
– Ah, não sei. Pela sua cara de felicidade, acho q... Ah, não sei! Pára de fazer suspense e conta logo, sua besta.
– Tá bom. Eu tava...
– ¿Q horas q cê chegou na casa dele?
– Duas e meia. Eu tava passando pela frente da...
– ¿A mãe dele tava aonde?
– Ah! ¿Cê vai deixar eu falar ou não? Se eu me retar eu não conto mais nada ¿viu? Calma q eu já vou chegar nessa parte.
– Tá, prometo q vou ficar caladinha, quetinha.
– Então tá. Eu tava só de passagem pela rua dele. Mainha mandou eu comprar uns tubos de linha pra máquina. Tinha um prazo de entrega de uns vestidos pra hoje e a linha preta tava pra acabar. / Dei uma ajeitada no cabelo, botei minha saia de periguete, um espanta-nigrinha básico e fui... Claro q eu sabia q ia passar pela frente da casa dele ¿né? Tinha um armarinho aqui perto q...
– Sim, essas coisas eu já sei. Eu quero saber o q rolou na...
– Calma, menina! Eu nem entrei na casa do bofe ainda e você já tá assim. / Tá bom. Vou tentar adiantar a fita.
– Daqui a pouco sua mãe chega aí e você não vai ter me contado nada ainda.
– Certo, vou tentar ser mais objetiva. / Cheguei na frente da casa dele. Tudo fechado. Vim, devagar, quase parando... De repente a velha, Dona Edite, saiu da casa. Adiantei um pouco os meus passos e esperei até ela sair e fechar o portão.
– ¿Você falou com a véia?
– Não. Claro q não ¿né? Mas foi nessa hora q o diabinho cantou a oportunidade única de cometer essa loucura, bem no meu cangote.
– Aí cê foi lá, chamou ele no portão e...
– Não, calma. Antes de ir na casa dele, eu fui até o armarinho, correndo, e comprei as linhas q Mainha pediu. / Tava tão apressada q esqueci até de pegar o troco com Dona Alzeni. / Vim correndo também, voltando pela rua dele, de novo com o diabinho, e agora o anjinho também, tentando me convencer a fazer ou não fazer aquilo.
– Aquilo, ¿o quê?
– Ué, ‘aquilo’... Use sua imaginação.
– Ahhh, claro! Então rolou, ¿não foi, sua discarada?
– Não sei. ¿Q é q cê acha?
– Eu acho q você tem de contar o resto dessa história logo, q senão eu vou morrer de tanta curiosidade.
– O diabinho me deu a dica: finge q vai comprar um geladinho e quando ele vier entregá-lo, você agarra ele(!) e o leva lá pra dentro.
– ¿E você fez isso?
– Não. Fiquei foi lá uma meia hora gritando: “Me despache! Me despache!”
– Oxe! ¡¿E ele não veio te atender?!
– Óbvio q veio. Só q demorou ¿né?, minha filha. Quase q eu desistia de chupar o geladinho dele. [risos]
– Viche! Como você é podre!
– Ahn! Você não viu nada ainda.
– Tá bom, sua badogueira. Continue.
– Aí ele veio: “Tem de umbu, acerola, tamarindo e amendoim”. Aí eu perguntei pra ele se tinha de manga. Ele disse q não, q só tinha desses q ele tinha acabado de falar. Aí eu perguntei pra ele, qual dos cinco era o mais gostosinho, olhando pras partes dele.
– Sério!
– Mas tá!... / Ele fez q não entendeu e perguntou o q é q eu tinha acabado de falar, já me olhando de um jeito q, ai... – olha pro teto e faz q delira. – Eu repeti. Ele fingiu q não ouviu, mais uma vez, e veio até o portão. Aí eu falei pela última vez. Então ele disse: “¿Quer entrar pra provar um por um, direitinho?”
– Mentira q ele não falou isso.
– Falou sim, ¿quer apostar?
– ¿Apostar como?
– Ah, sei lá. Deixe eu terminar de contar a história logo. / Nós entramos. Ele já foi logo tirando a camisa.
– Não acredito! Ai, aquele menino é muito gostosinho! ¿E você fez o quê? Foi logo tirando a sua roupa também...
– Não. Claro q não. Eu também não sou tão fácil assim. ¿Tá achando q eu sou o quê? / A gente começou a conversar, sentados no sofá, civilizadamente. / Ah, ele perguntou de você.
– ¿De mim?!!
– Sim. Eu também estranhei. Ainda perguntou sobre as meninas de lá da sala... Aí perguntou se eu ainda tava namorando com Wendel. Aí eu disse q jamais q eu ficaria sozinha, na casa de um menino q eu fiquei a fim desde quando o vi pela primeira vez, se ainda estivesse namorando.
– Ahh, deixe de mentir q você não ia ter coragem de dizer isso.
– Tenho e disse! Disse sim! E foi aí q ele me agarrou. Começou a passar a mão pelo meu corpo. Veio por cima, aí foi descendo, descendo aquela mão-zona enorme, até...
– Até ¿o quê?
– Ah, use a sua imaginação.
– ¿Você deixou ele passar a mão em você todinha, já no primeiro amasso?
– ¿E daí, qual o problema?
– Nada. É q eu acho isso meio estranho; essa liberdade toda.
– Ah, claro! Você ainda é virgem, toda tirada a certinha, filhinha da mamãe. Toda Sandy! Eu não. Eu sei muito bem curtir minha liberdade. E como é bom ser livre, e ter uma mão de homem, livre, passeando sobre o seu corpo, e dentro da sua calcinha, ai, ai, você toda molhad...
– Ai, pára com essa nojentice! Deus q me livre!
– Ô, ¿então você não quer mais saber tudo q aconteceu não?... Então tá bom. Não vou contar mais nada. Aliás, é íntimo demais pra você saber.
– Não, não faça isso não!... E eu quero saber tudo sim, nos mínimos detalhes... Aliás, nem precisa de tantos detalhes assim... quer dizer, precisa sim. Con-ta lo-go!
– Xô terminar de fazer o arroz q eu volto pra dizer o resto.
– Tá, mas vá rápido q eu já tô explodindo de tanta curiosidade.
(...)
– Vamo lá. Vou contar logo os finalmentes, pra mandar você embora logo daqui, sua insuportável! / Quando eu comecei a arranhar as costas dele, no meio daquele beija daqui, chupa dali, eu resolvi abrir minhas pernas de uma vez. Quando ele meteu o dedo na minha xereca...
– Ai, q horror! Como você é baixo astral, menina!
– Horror o quê, tabaroa! Foi maravilhoso! Ele começou a rodar o dedo dentro de mim e com a outra mão foi abrindo o zíper de sua calça, e me puxando pra mais perto dele... quando ele ia meter, eu mandei ele parar.
– ¿Por q cê fez isso?
– Ué, porque ele não tinha colocado a camisinha ainda.
– ¿Foi isso q fez você parar?
– Claro! ¿Cê é doida é menina? Sem proteção, nem morta!
– Mas ¿e aí, o q você fez?
– Eu pedi pra ele colocar a camisinha, só q ele disse q tava sem nenhuma em casa.
– Sim, ¿e daí?
– Daí q na casa dele vende geladinho...
– ¿Como assim? Não entendi.
– Ah, Amanda!... Use sua imaginação.

* de RAIAI! 2
** Vencedor do I Concurso CEFET-BA de Literatura 2005 (Categoria: Prosa)

15 março 2006

O Sexto Sentido

Pablo vê gente morta. Afirma q quando começou a ver e ter contato direto com elas, tinha medo; acendia velas. Revela ainda hoje sentir calafrios e, só, presenças estranhas. Ficar remoendo na cabeça besteiras sempre acontece; se ver espantado consigo no espelho também, é de praxe. As velas se fazem parceiras nas noites de prece. Se apagam na hora q chegam os mortos da noite. De dia é mais fácil e mais claro, sem essas nuances: do morto coberto, das sombras, das ‘luzes queimadas’.

Vir ver quando vinha mais outro no turno dos outros, lhe fez perder mais esse medo e deixar de besteiras. Lhe fez deixar os pesadelos ir para outros monstros: dinheiro, a falta do mesmo e a saúde da velha.

A velha era a mãe, dona Martha, de crenças estranhas. Pensava ou achava q era vidente e sensitiva. Com a idade lhe veio a catarata e a deficiência auditiva, mas sempre sabia e sentia quando seu Pablo, chegado, entrava e fechava a porta.

O Pablo, com um ano no trampo, cansara-se: “chega!”. Chega de ver tanta desgraça, por vil recompensa. Pablo sai de casa tão cedo e tão cedo não volta. Só volta tão tarde q nem dona Martha agüenta. (Por vezes só vê o filhote no fim da semana. Por vezes não vê, pois não enxerga direito, lamenta).

Infeliz no ofício o Pablo se viu mais ainda, quando teve – por pressão – de fazer uns serviços a mando... mutreta de um tal diretor q desviava umas coisas: uns pesos estranhos, nuns sacos escuros, de noite.

Um dia abriu curioso um saco daqueles... assustou-se e viu-se caído numa grande enrascada – “Meu Deus!” – relutou mas calou-se e envolveu-se na imensa roubada – “Fodeu!”.

Revoltado, escreveu uma carta, em tom de mistério, o Pablo. E o mistério quem quis desvendar foi um tal jornalista, de A Tarde. / Jornalista e dono da fonte, foi logo querendo saber algo a mais, e os demais mil “detalhes, rapaz!” do rapaz da Saúde, nascido em Seabra.

“Se abra, meu bom, vai, me conta!”, bem queria contar pelo q (mal) passava. Afetado, porém, relatou no instante somente as mágoas cultivadas... e as longas jornadas, os maus pagamentos, “isso é, quando eles pagavam!”

No Nina, onde trabalhava, manteve segredo o tempo inteiro. Segredo pros q não sabiam ou não se envolviam por medo ou desprezo. Desprezo com a grana tão pouca, a tarefa tão árdua, o tempo e o perigo.

Pensou – e pensou duas vezes! – em contar essa história; seu caso era outro. O Pablo denunciaria por ser, dentre todos, o forçado, o mais fraco – o lado. E do outro lado da linha, o caça-notícias lhe deu garantias: “...¿Fechado?”.

Por fim, sim, fecharam acordo: marcaram o encontro na casa da “vítima”. Mas antes, esclarecimentos, acerca do caso, do acerto, do acordo:

O Pablo achara no chão, na semana dos fatos, um número e um nome. Um número de telefone, com o nome do cara, do tal jornalista. Do tal q sabia tão pouco, mas o suficiente para ter confiança. Do homem q falava tão baixo e no fim dos acertos lhe deu “boa noite”.

Além ‘nome e número’, a marca do A Tarde... metade; o resto cortado: “A Ta”. Cartão branco, sujo de preto e vermelho, caído, mas o Pablo ia usar. Usou, ligou e marcou explicando q era algo muito importante. De gente importante envolvida, de alguma influência e até ‘costas quentes’.

Na calada de uma noite escura (mui bem mais escura q todas as outras) encontrou-se o rapaz com uma cara sombria, de óculos e um guarda-chuva. Mirou uma nuvem no céu, o homem de olhar tenro e dirigiu-se ao Pablo. Senhor circunspecto, gestos comedidos, sereno e a princípio calado. [ ... Numa noite da mesma semana em q se envolvera, o Pablo, no esquema ilegal: no tráfico de corpos, nas negociações: IML x Universidade Federal ].

Retomando: na calada de uma noite escura (com nuvem, sem chuva), os dois se encontraram. Na noite de lua tão branda, e de cheia tão branca, se cumprimentaram, / ao pé da ladeira do Paiva, onde o Pablo P. Paiva vivia com a velha. Mantido o contato, seguiram, não intermitentes, pra casa do mesmo.

Mais cedo, pois não receava a demissão forçosa pós-depoimento, em casa então chegara o Pablo com seu novo amigo, sem fazer barulhos.

A mãe, dona Martha, estranha o entrar sem as vozes q acusa o filho, quando chega e quando diz: “minha mãe, bote aí meu jantar preu num morrer de fome!”. E a Martha, sensitiva, eis q sente uma presença estranha, os passos dobrados. Enfim, diz o Pablo: “cheguei, minha mãe, tô com fome, cansado, quebrado”.

Mais calma, retoma o preparo da janta do filho q faz com prazer. Na sala a conversa começa com o Pablo perguntando o q o homem quer beber.

O senhor diz q ‘nada’ mas mais ‘positivo’ afirma: “adorei, jovem, a sua casa”. Comenta por ser um tanto antiga e por preservar ainda o estilo original, a fachada. Pergunta coisas fora do contexto e do tal pretexto q o levara ali. Natural e espontaneamente, Pablo diz q sente nela uma energia estranha, mas quis dizer ‘ruim’.

A mãe de lá pergunta se o Pablo lhe chamou, lhe falou alguma coisa, “¿o q disse?”. O Pablo diz q ‘não’ e explica ao interlocutor q a mãe, idosa, já mal consegue ouvir. / Às vezes diz q é meio doida, mas preferiu o ‘caduca’, quis ser mais discreto. Discreto também riu o outro, ante isso, com um olhar compreensivo (olhos semi-abertos).

O homem disse não ligar, mas quis saber da Martha, mãe do Pablo Paiva; a Martha, mãe, já quase morta, enfim, o q ela achava da profissão do filho – o filho o informava:

O Pablo contou q a mãe já não entendia nada, ou quase nada “necas!”. Pensava era q o filho ia, todo santo dia, para um centro espírita. Q lá era q trabalhava almas incuidadas, almas não ‘passadas’. “Dizia e me diz ainda q eu sou um em muitos, q o meu dom é nobre”. O dom de ver os mortos “vivos”, de ver além das coisas, “q pra ela é sorte!”

O homem então pergunta sobre o curioso pássaro, lá detrás da planta. O Pablo atesta, é a grande prova de a mãe ser mesmo desequilibrada: “mãe cuida de um corvo preto feito um papagaio, um grande periquito”.

A Martha dessa vez ouviu... pensou ouvir ruídos vindos da TV. Mas a televisão omissa, escura, desligada, não quis nada dizer... O Pablo é q falava muito, bastante sobre isso, um tanto irritadiço:

“O certo é q de morto eu tudo vi já de algum jeito: homem, mulher; jovem, adulto; bonito, feio; magro, seco... De tudo, até bebê e velho, gente sem as pernas, me olhando rindo; de corpo crivado de balas, olho esbugalhado; misturados, juntos; com o maxilar arrancado, da cabeça o tampo, com o miolo à mostra... De início, vomitava e tudo, mas me afiz aos cheiros... quase pego o gosto. Nunca me disseram nada. ¡Nunca me disseram nada!”.

Sobre o filho, sem ser perguntada, dona Martha, lúcida, disse o seguinte: “Você, meu filho, na infância, sempre conversava com os ‘irmãos passados’. Você ajudou tantos deles, mas agora diz q não está lembrado. É pena, filho, isso era bom, pois muitas almas más você já libertou. As boas sempre o adoraram e você sempre teve um grande protetor. Liberta agora o “obsessor” q tá aí do seu lado e vem jantar, meu filho. Diga-lhe q vá em paz, lhe dê um ‘até mais’... o jantar está servido”.

O Pablo ouviu a mãe parado e quando olhou pro lado ainda viu um vulto. O Pablo q lembrou do corpo q transferira junto com aqueles restos... restos cadavéricos, peças de defuntos, roupas e “¡cartões!”, carteiras.

O Pablo q vê gente morta, hoje não transporta mais mortos nas macas. O Pablo q vê gente morta, foi trancar a porta e largou as drogas.


*Baseado em fatos reais.
**Conto de RAIAI! 4

13 março 2006

Memória...


– ... Peraí q eu vou lembrar agora. Peraí q eu falo. ¿Como é mermo, rapaz? Tava na ponta da língua agorinha mermo. ¿Comé mermo o nome daquele bicho, bicho? Aquele miserave, briguento q só ele...
(...)
– ... Porra, eu não vou lembrar agora não. Pô véi! Dá uma raiva!
[Pausa longa, olhando pro nada. Enquanto isso, seu colega bebe mais um gole de cerveja, sem pressa. Ele não...]
(...)
(...)
– Edmundo, porra!!! – tapa na mesa; susto de um, alívio de outro. – O segundo foi dele... Evair, um a zero e Edmundo depois. 93. ¿Num falei q ia lembrar?

Quando as Periguetes se armam (Desencalhando Michelle)


Tombo na gravação do primeiro DVD da Calcinha Preta, no Parque de Exposições. Começa a conversa...
– Ô coisinho, vem cá. Desculpa ¿viu? ¿Cê se machucou? Foi mal. ¿Como é seu nome?
– Bruno.
– Pô, cê é bonitinho, ¿sabia?... Vem cá rapidinho q minha colega quer te conhecer. É rapidinho... / Michelle, Bruno. Bruno, Michelle – dois beijinhos.
– Prazer.
– Prazer é meu, mas eu já tenho q ir.
– Não, vem cá – chama o cara no canto. – Minha amiga disse q tá a fim de você, ¿e aí? ¿Dá pra rolar o esquema?
– Eu tenho namorada.
– Ah, é só uns beijinhos, rapidinho. Vá lá...
– Quero não. Posso não, sério.
– Ô coisinho, ¿por quê?... Ô, vá, vá!! Ô, vaí, só um beijinho. Des-da hora q você chegou q ela ficou falando de você... / Ó, o canal é esse: Eu mando ela ir p’ali pa trás agora... ela vai, aí cê segue ela ¿tá bom? Só uma colada e pronto, coisinho.
O menino se irrita:
– Não, rapaz! Minha namorada tá aqui também.
Ela também perde a paciência:
– Ih, minino! ¿Cê é bicha é? Vou chamar ela aqui então. Vem cá Michelle – acena para a amiga q estava um pouco afastada.
– Rapaz!... – ele.
– Anda menina! – ela.
– Aí ele, toma. Eu vou sair daqui e vocês dois se decidem.
– Não, não vá não – diz Michelle, como quem pede PPU.
– Oxe menina! ¿Cê é otária é? Beija logo!
– Eu já vou – avisa Bruno.
– Não coisinho, não vá não – pede, agora com voz dengosa. – Pronto, dê só um pitoque nela q eu paro de lhe perturbar.
– Não, não, nããão! ¿Não sabe o q é não, não?
– Ah, ¿cê não vai beijar não, Michelle? Então deixe q eu beijo...

Resultado da Operação “Desencalhando Michelle”: MISSÃO NÃO CUMPRIDA. (Um puxão nos cabelos pra largar o namorado dos outros e um tapa bem dado na cara, dado pela namorada em questão).
Conclusão: Quando as Periguetes se armam, o barraco também está prestes a ‘se armar’.

Quando os Putões se armam (Resgate de um bêbo tirado a corajoso)


Pagodão num domingo à noite qualquer de 2003, lá no fim de linha de Plataforma. Dois caras...

... Passa uma menina, passam o olho na bunda dela.
Passa a outra, passam a mão no cabelo dela.
Passa mais uma, eles deixam passar.
É feia, tem nêgo ou é muito magrela.
Deixam o bar com umas “experimenta” na mão e voltam pro carro.
Mas tem q se ligar pra não cair em nenhum esparro...
[Paro de rimar por aqui].
Aumentam o volume do “som” e o cheiro da gasolina chama as presas pra mais perto.
Chegam e passam, passam e chegam, e os meninos ficam espertos.
[Foi mal; não resisti. / Pronto, parei... Agora sim].


– ...Sim, ¿mas o seu nome é Ubiraleide ou Ubiraneide?
– Neide.
– Ah, e o pessoal lhe chama de Neide mesmo ¿né?
– Não. Me chamam de Bira.
– Ah, Bira. ¿E qual é o nome da sua amiga?
– Né amiga não. Ali é minha irmã.
– Sua irmã! Parece não.
– O nome dela é Ubiraiara.
– Ubirajara! Ubirajara é nome de homem, rapaz.
– Não. Ubiraiara, com “i”.
– E chamam ela de Iara ¿né?
– Não, chamam de Bira, também. Só q chamam ela de Bira Preta e eu de Bira Branca.
– Ah, (?!) entendi.
– Eu tenho q ir q Painho só deixou a gente ficar até umas dez e quarenta e cinco; dez e cinqüenta e cinco, no máximo. ¿Q hora é essa aí?
– Quí! Tá cedo ainda. Toma uma cervejinha aí com a gente... e chama sua irmã pra vir pra cá... [enche um copo]. Fala alguma coisa, Escobar! – diz, cutucando o amigo q estava quieto.
– ¿Escobar?!! ¿Por-um-acaso foi você q foi pra São Paulo por q passou no Exército? Acho q era Escobar mesmo o nome... Era Escobar ou Edmílson, sei lá...
– Não, foi ele mermo. A-e-ro-náutica! Brinque com Escobar, sacana! ¿Mas você já ouviu falar dele? – pergunta, estranhando. – A gente nem mora tão perto daqui, assim.
– Meu pai também é militar.
– ¿Ah é? Q mag(r)avilha! (...) Ô Bira, chama sua irmã pra vir pra cá também, ficar aqui com a gente.
– Ah, ela não vem não. Ela é toda envergonhada, toda criançona.
– Ôôô, ¿como é o nome dela mesmo? Ubira...
– Ubiraiara. Mas chame de Bira Preta q ela não gosta q falem o nome dela alto não.
– Ô Bira Preta! Bira!!... ¿Ela é surda é?
– Ih, ¿eu não falei q ela não vinha? Mas não ligue não, menino. Ela é abestalhada assim mesmo, de vez em quando. Ligue não.
– Escobar disse q tava a fim de se armar com ela. ¿E aí?...
Escobar se manifesta:
– Oxe! ¿Eu não tenho boca pra falar não é? Fique na sua q daqui a pouco eu vou lá.
– Ahn! Sai daê, seu Pangaré! Bufa-fria desses... Duvido!
– ¿Duvida de quem, rapaz?! ¿De mim?... Peraí q cê vai ver... vou lá intimar ela, na cara dura, só pra queimar sua língua... / E eu vou lá é agora, seu otário! – Escobar toma o último gole da cerveja, já quente, e vai, depois de se irritar com a alugação do amigo.
– Ih rapaz! Tá virando home mermo! Tirando onda de Putão, ó. Vá lá, seu chibungo, vá!
– Não deixe ele ir não, menino!
– Quí! Ali quando fica bêbo, fica dodio... Dodio, dodio, dodio! Nem adianta chamar.
– ¿É?
– É. (...) Sim, mas agora o negoço é nós dois aqui. ¿E aí? ¿Tá a fim de dar um rolé? Aliás, ¿por q você não chama sua irmã e a gente se sai de carro?... Vai nós quatro, assim, prum lugar mais tranquilo...
– Não. Meu namorado pode ficar sabendo.
– Ah, ¿cê tem namorado?
– Tenho... Mas ele tá viajando.
– Ah sim... então não tem problema – fala, meio encabulado, mas insiste. – Bora. A gente se sai agora e arma esse duque até dar o tempo de vocês irem pra casa.
– Não sei... Eu até posso ir, mas não sei se Preta vai querer não.
– ¿Por q ela não vai? Etá! Ela não deve ser tão tapada assim – pára por um instante quando se surpreende com o q vê acontecer um pouco mais à frente. – Vai sim! Ó pa lá. Ela já tá é se chupando com Escobar ali, enquanto nós dois fica aqui de boresta, sem fazer nada... [grita:] Chupa, Caetano!!!
– Mas ela...
– Já sei. Ela tem namorado também. ¿Mas o q é q tem? Cê também tem... Vá mainha, vá lá falar com ela, por favor – diz, com fala mansa e olhar meio torto, no final.
– Tá, mas...
– Mas ¿o quê?
– Eu acho q ela não vai querer ir não q ela tá esperando o namorado dela voltar, apesar de eu achar q ele não vem mais hoje aqui.
– ¿Voltar de onde?
– Não, é q teve uma confusão com ele e um cara ali no bar, nestante, agorinha mesmo.
– Sim, ¿e cadê ele?
– ¿Quem, o cara? Tá ali, ó.
– Não, o namorado de sua irmã.
– Aaah, eu não sei direito não. Eu só sei q rolou pau-viola porque parece q esse cara boliu com ela; aí Cesinha, o namorado dela, veio tirar pergunta a esse menino, aí, sei lá... parece q Cesinha tomou um pau na cara e foi embora pra casa. Acho q foi só isso só.
– Sim, ¿e por q ela tá esperando ele voltar?
– Não, eu não sei direito não q ela nunca me conta as coisas direito. Mas foi por isso q ela tava ali, triste, aquela hora. Acho q ela tava com medo de Cesinha ter ido em casa pra buscar a arma...
– Arma!!! ¿Q arma menina?!
– Ué, a arma. Do pai dele, ou do irmão, ¿quem sabe? [se assusta, de repente] Ih, eu acho q é ele q tá vindo ali, com a barreirinha de pivete q anda com ele. Já vi q o bicho vai pegar pro lado daquele menino...
– ¿Quêde?!!! ¿Cadê o home, rapaz?...
– Ali, ó. Aquele de blusa ver...
Larga Bira Branca falando sozinha e corre na direção do casal, q continuava se beijando.
– Escobar! Se sai, se sai!! Barriou!!! Se sai q é barril!!!
– ¿É o quê, rapaz? Se saia, você...

Resultado da Operação “Resgate de um bêbo tirado a corajoso”: MISSÃO CUMPRIDA. (Corre corre, ‘salve-se quem puder’ e um tiro na lateral do carro em fuga).
Conclusão: Quando os Putões se armam, ‘perna pra q te quero’!

* de RAIAI! 2

Indecisão em: O Plano II

Tonhe chega do colégio, larga a mochila em cima do sofá e vai direto pra casa de Lu, contar o q pretende fazer pra resolver o problema do amigo. Lu, o amigo, ouve-o atentamente:
– Espie só... achei uma lá em Vilas q tem... Lá é chei de gente rica. Médico, advogado, engenheiro, tudo quando começa a ganhar dinheiro vai pra lá. Tem um colega de tio Nem q conhece um casal de advogados q mora lá, num casarão da zorra, mas q passa o dia inteiro aqui em Salvador, trabalhando. Essa casa é vizinha à casa q ele trabalha. Ele disse q dá pra pular de um quintal pro outro, facinho. Só q vai ter de arranjar um jeito de prender o pit bull de lá. Disse q isso é o de menos. É dos brabo, mas ele falou q já tem um pouco de intimidade com o cachorro, ¿eu vou fazer o quê? É com ele e a porra...
– Rapaz!!! – diz Lu, cheio de receio.
– Oxe rapaz! ¿Tá com medo de quê? ¿Né home não é?
– Naonde! Me dê sua irmã pra você ver.
– Peraê bicho! Deixe de furicagem. Ele disse q nesse final de semana agora, eles devem viajar pra um lugar aí... Diz ele q ouviu o patrão comentando. É melhor q dia de semana, ¿né não? De vez em quando, os dois deixam a chave lá mermo. Já tô sabendo de tudo. Se isso acontecer, é capaz de nós dois entrar pela frente, tirando onda. Ó paí! ¿Já pensou? – Tonhe dá uma gargalhada e um tapão na cabeça de Lu, q lhe questiona preocupado:
– ¿Cê conhece esse maluco daonde?
– Esse bicho é colega de tio Nem, ¿eu num falei? ¿Não lembra da época q tio Nem era caseiro também, lá em Arembepe? Nesses tempo os dois trabalhavam lá... em casas diferentes, óbvio.
– Rapaz!!!
– Ô meu irmão, a gente entra, faz o q a gente vai fazer e se sai, nas manha, sem deixar nem cheiro de peido, pra eles num estranhar. O cara já deu todas as garantias q não vai acontecer zorra ninhuma. Terminou, a gente sarta fora... e aí, só alegria! ¿Tá vacilando véi? Eu demorei um tempão pra convencer meu tio a falar com ele, depois q soube desse canal, pra você agora ficar dando pra trás...
– Lá ele! ¿Mas sábado... já? Se Mainha sabe q eu fiz uma maluquice dessas, ou ela me mata ou manda me internar... eu tô fudido! Ela nunca mais me deixa sair com você, sacana! Até hoje ela ainda é cismada contigo, por causa daquela bolacha q você tentou güelar no Q’Preço.
– Eu não! Nós. Num venha não! E foi por causa da sua nervosice q a gente se lenhou. Até hoje minhas pernas tem as marcas das lapiadas q eu levei daquele segurança safado... E acabei levando a culpa e me fudendo sozinho, ¿né? – bate com a mão esquerda aberta na lateral da outra mão, cerrada, olhando para Lu, q nada podia dizer. – Eu ia mandar meus irmãos quebrar ele no pau, mas depois eu deixei pra lá...
– Disse q aquele bicho é viado, ¿sabia? – comenta Lu, tentando mudar um pouco os rumos da conversa.
– Eu tô ligado. Encubadão ali, rapaz. Mas voltando ao assunto... Venha cá, ¿cê vai ou não vai pr’essa porra? Diga logo q eu já tô ouvindo Mainha me gritando... Rapaz, confie em mim... Não vai dar nada pra gente não. E esse maluco também deve conhecer os donos da casa. Ele não é otário. Nós dois é de menor... ainda tem isso. E esse negoço é bem longe daqui... se rolar alguma putaria, ninguém vai ficar sabendo de nada.
– Naonde! Duvido! ¿Do jeito q esse povo daqui é?
– Mas quem vai se lenhar né a gente não... é ele q vai se queimar, com os patrão e a zorra... por isso q eu tô confiando também... ele não ia fazer uma coisa dessas se não tivesse certeza q fosse dar certo, ¿entendeu? ¿E aí?... Umbora bicho! Ele disse q era preu ligar hoje de noite – nesse momento, pequena pausa com os dois olhando pro chão da sala, onde a gata, recém parida, dá de mamar aos três gatinhos q sobreviveram à sua tensão pós parto. – Eu já fui uma vez lá no Sesc Piatã, com tio Nem e esse maluco. Se não me engano, o nome dele é Morcego. Eu vi tio Nem chamando ele de Morcego – os dois riem e Lu diz: oxe! – Aliás, eu já fui foi duas vezes com eles.
– Não sei... sei não véi. Porra!! Perainda... Xô pensar...
Tonhe se reta e levanta pra sair.
– Peraí! É sério! – isso é Lu pedindo pra Tonhe esperar um pouco mais.
Ele continua muito indeciso e não sabe o q fazer ainda: “Porra, ¿vou ou não vou?” Lu cismava q com ele as coisas sempre davam errado. Mas ele queria tanto experimentar aquela emoção... “mas Mainha vai dar um jeito de ficar sabendo!” – pensou, voltando a si.
– Porra Tonhe...
– Ah, vá pra merda, vá! ¿Quem nunca tomou banho de piscina aqui, foi eu ou foi você? Já fui!

*Conto de RAIAI! nº 1